quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Manifestações orais em indivíduos com doença celíaca

Jornal APDC Abril de 2016 - página 10
Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas

Texto: Fernanda Carvalho

Defeitos da superfície de esmalte, atraso na erupção dos dentes e 

aftas recorrentes são as principais alterações causadas pela doença


Dificilmente associaríamos o diagnóstico de doenças gastrointestinais em uma visita ao Cirurgião-Dentista. Contudo, no caso da doença celíaca - uma intolerância permanente ao glúten em pessoas geneticamente propensas - o profissional de Odontologia pode desconfiar da existência deste problema no indivíduo.

De acordo com a consultora técnica da FENACELBRA (Federação Nacional das Associações de Celíacos do Brasil) na área de Odontologia, Camila Heitor Campos a "doença celíaca (DC) é uma doença autoimune, caracterizada pela intolerância permanente ao glúten, proteína presente no trigo, centeio, cevada e aveia. A ingestão do glúten leva à atrofia das vilosidades intestinais o que altera a absorção de nutrientes. Além disso, a presença de autoanticorpos pode causar danos a outros órgãos e estruturas. Geralmente, a doença se manifesta ainda na infância, mas os primeiros sintomas podem surgir em qualquer idade, inclusive em adultos", esclarece.

Os sintomas e primeiros sinais da doença são diversos, sendo mais frequentes os indícios gástricos como diarreia cronica ou prisão de ventre, distensão e/ou dor abdominal, falta de apetite e vômitos. "Como sintomas não gástricos encontram-se a anemia, perda ou ganho de peso sem causa aparente, atraso no crescimento, alteração de humor (irritabilidade ou desanimo), aftas de repetição, dermatites, osteoporose, osteopenia e ate mesmo infertilidade. Outros sintomas menos frequentes, como dores de cabeça recorrentes, sonolência excessiva, dor muscular e articular, e outras doenças autoimunes podem estar presentes", relata a especialista.

O 1° secretário do Departamento de Gastroenterologia da Associação Paulista de Medicina (APM), Wilson Roberto Catapani, completa sobre os sintomas da doença. "Na forma clássica, os primeiros sintomas ocorrem tão logo quando a criança introduz o glúten na dieta, o que em geral ocorre por volta dos oito meses de idade. A partir de então, a criança apresenta-se irritadiça, começa a ter diarreia crônica com perda de peso, atrofia muscular e desnutrição. Na forma do adulto, estes sintomas podem ser subclínicos e não serem tão evidentes, muitas veze ocorrendo uma anemia crônica de origem obscura ou quadros diarreicos que podem se confundir com outras situações muito frequentes como a síndrome do intestino irritável", diz. 

Camila Heitor Campos considera alguns pontos relevantes sobre a doença celíaca. "Questione sobre outros sintomas clínicos de DC, incluindo dor abdominal, diarreia, perda de peso, crescimento deficiente, anemia e fadiga extrema. Lembre-se que a ausência destes sintomas não descarta a doença celíaca; Informe-se sobre a presença de outras doenças autoimunes, especialmente diabetes tipo 1 e tireoidite. Estas patologias aumentam ainda mais a probabilidade de DC; Ter um parente de primeiro ou segundo grau com a DC também aumenta a probabilidade de um diagnóstico positivo".

Segundo a Cirurgiã-Dentista e professora do curso Dentística com enfase em Estética da APCD-IESP, Alessandra Pereira de Andrade, "o diagnóstico da doença celíaca está baseado nos seguintes pilares: o exame clinico e anamnese detalhada, além da análise histopatológica do intestino delgado, e dos marcadores séricos. O diagnóstico final deve sempre se basear na biópsia que revela a mucosa anormal do intestino delgado proximal, com as vilosidades atrofiadas ou ausentes, aumento no comprimento das criptas e no número de linfócitos intra-epiteliais". Ela ainda salienta que o único tratamento possível e eficaz em todas as formas clínicas é o dietético, "devendo-se excluir o glúten da alimentação durante toda a vida o que leva à remissão dos sintomas e restauração da morfologia normal da mucosa".

Por um lado, a grande variação nos sintomas - ou mesmo ausência deles -, aliada à falta de conscientização sobre a doença tornam o diagnóstico difícil. Por outro, no entanto, alguns indicadores podem nos dar dicas sobre a existência da doença, facilitando assim o diagnóstico precoce. Dentre estes, estão alguns aspectos de nossa saúde bucal.

Manifestações orais da doença celíaca




A Doença Celíaca (DC) apresenta algumas manifestações bucais que podem levar o Cirurgião-Dentista a suspeitar da doença e contribuir com o diagnóstico. A Consultora Técnica da Fenacelbra prossegue: "as principais manifestações são a presença de defeitos de esmalte, atraso na erupção dos dentes e aftas recorrentes. Outras manifestações menos comuns são o líquen plano oral, herpes de repetição e glossite atrófica".

De acordo com Alessandra Pereira de Andrade os defeitos de esmalte mais frequentemente encontrados na DC são a hipoplasia e hipomineralização de esmalte, provavelmente secundários a deficiências nutricionais e distúrbios do sistema imunológico durante o período de formação do esmalte. "Dentre as alterações relatadas na literatura, a hipoplasia do esmalte dental é o achado clínico mais frequentemente encontrado na forma clínica silenciosa, sendo possivelmente a única manifestação da doença em crianças e adolescentes celíacos não tratados".

A hipoplasia do esmalte é uma formação incompleta ou deficiente da matriz orgânica do esmalte. Clinicamente, apresenta-se como manchas esbranquiçadas, rugosas, sulcos ou ranhuras, bem como, outras alterações na estrutura do esmalte, comprometendo a estética do sorriso. "Estas lesões são assintomáticas e só serão submetidas a algum tipo de intervenção por motivos estéticos. Estes defeitos são mais comumente encontrados na dentição permanente e tendem a aparecer de forma simétrica em todos os quatro quadrantes, geralmente em incisivos e malares. São comuns em crianças que desenvolvam sintomas de doença celíaca antes dos sete anos idade, entretanto, a presença de defeitos no esmalte dentário pode ser o único sintoma encontrado em algumas crianças, sendo, portanto, uma ferramenta de rastreio.

Já a consultora técnica da Fenacelbra ressalva que "o retardo na erupção dentária e um sinal não específico, mas tem sido relatado em até 27% dos pacientes com DC, possivelmente relacionado à desnutrição causada pela doença".

Outra complicação observada na cavidade bucal em pacientes portadores de doença celíaca são as alterações na mucosa bucal. Alessandra Pereira completa dizendo que os principais sinais bucais da doença são queilite angular, glossite, língua despapilada, eritema ou ulcerações localizadas nos lábios, palato, mucosa ou língua. As úlceras são o tipo mais comum de lesão bucal, relatada na literatura apresentando-se sob a forma papular ou erosiva, geralmente com a margem eritematosa. Ainda não está claro se as lesões bucais representam uma manifestação direta da doença celíaca ou se devido aos efeitos indiretos da ma absorção sobre as células da camada basal da mucosa que estão em processo de divisão já predispostas a irritação por uma doença preexistente".

Outra possível patologia bucal que pacientes com doença celíaca parecem apresentar com mais frequência que pacientes não portadores é a ocorrência de cárie dental associada a síndrome da boca seca. "Essa situação pode ser causada pela síndrome de Sjogren, uma doença autoimune que ataca as glândulas salivares e que pode ocorrer ao mesmo tempo que a doença celíaca. De acordo com a National Foundation for Celiac Awareness, entre 4,5 e 15% das pessoas com doença celíaca também possuem síndrome de Sjogren", conclui a Cirurgiã-Dentista.


Nenhum comentário:

Postar um comentário